domingo, 31 de julho de 2011

IVAN VALENTE FALA SOBRE DÍVIDAS DE BRASIL E GRÉCIA

DEBATE ABERTO

Grécia e Brasil: povos x dívida

Tanto no Brasil como na Grécia, faz-se necessária uma ampla e profunda auditoria sobre esta questionável dívida, para se verificar de onde ela veio e a quem beneficia. No Brasil, propus a CPI da Dívida Pública, recentemente concluída na Câmara dos Deputados, e que mostrou diversos e graves indícios de ilegalidades.

Ivan Valente

A grande imprensa internacional tem repetido uma grande mentira: de que a Grécia tem de, obrigatoriamente, aceitar as imposições dos rentistas - representados pelo FMI e União Européia - tais como cortes de gastos sociais, aumento de tributos e outras medidas neoliberais, como as privatizações. Tais medidas já têm causado grave crise social: desemprego, recessão e pobreza.

Este pacote nefasto, aprovado hoje na Grécia, é sempre justificado pela necessidade de acesso a novos empréstimos, para pagar a dívida anterior. A grande imprensa diz que a dívida grega é inquestionável, e deve ser paga, sem qualquer pergunta. Diz-se que a Grécia tem de pedir ajuda ao FMI e União Européia, porque o país gastaria muito com funcionários públicos e com a garantia dos direitos da população.

Nada se fala sobre a culpa dos bancos na crise da dívida, omitindo-se que eles incentivaram a Grécia a tomar empréstimos por meio de derivativos ilegais. Nada se fala também sobre o salvamento de bancos falidos, que também geraram dívida ilegítima. A grande imprensa também silencia sobre a grande redução, nas últimas décadas, do imposto de renda para as pessoas mais ricas, o que também teve papel importante na geração deste endividamento.

Também não se fala da manipulação do chamado “risco-país” pelos investidores e suas “agências de risco”, que levou os juros às alturas, tornando impossível para a Grécia refinanciar a dívida nos mercados, empurrando o país para este acordo com o FMI. O que ocorre na Grécia não é uma negociação, mas uma pressão feita por um oligopólio de banqueiros, representados pelo FMI e União Européia, o que representa claramente um desequilíbrio entre as partes, ilegal segundo princípios gerais do Direito.

Enquanto isso, no Brasil, o governo argumenta que a situação estaria completamente diferente, com a dívida controlada e sem as imposições do FMI. Porém, o governo brasileiro pratica as mesmas medidas propostas pelo Fundo e aprovadas hoje na Grécia: severos cortes de gastos sociais (que chegaram a R$ 50 bilhões), privatizações (como a dos aeroportos) e reformas neoliberais que tiram direitos dos trabalhadores, tais como a Previdência e Tributária, com a redução da contribuição previdenciária patronal sobre a folha e o aumento do tempo necessário para a aposentadoria, principalmente das mulheres.

Na realidade, a única diferença entre o Brasil e a Grécia é que lá o povo foi à guerra nas ruas contra estas medidas nefastas.

Tanto no Brasil como na Grécia, faz-se necessária uma ampla e profunda auditoria sobre esta questionável dívida, para se verificar de onde ela veio e a quem beneficia. No Brasil, propus a CPI da Dívida Pública, recentemente concluída na Câmara dos Deputados, e que mostrou diversos e graves indícios de ilegalidades da dívida, tais como juros sobre juros, falta de documentos e informações. A CPI constatou até mesmo a realização de reuniões do Banco Central com supostos “analistas independentes” – que, na realidade, eram principalmente rentistas – para a estimativa de variáveis como inflação e juros, que depois são utilizadas pelo COPOM na definição da Taxa Selic, beneficiando os próprios rentistas.

Recentemente, o Equador deu uma grande lição aos governos dos países endividados, tendo feito uma ampla auditoria da dívida, com participação da sociedade, e que provou várias ilegalidades no endividamento. Como resultado, o governo equatoriano anulou 70% da dívida com os bancos privados internacionais, permitindo grande aumento nos gastos sociais.

A experiência equatoriana foi um importante precedente, e prova que é possível enfrentar os "mercados", mostrando que, diante de tanta exploração da classe trabalhadora pela burguesia financeira, existe uma alternativa soberana e que garanta os direitos dos povos, e não dos banqueiros.

Ivan Valente é líder do PSOL e membro da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional da Câmara dos Deputados.

domingo, 24 de julho de 2011

EDUCAÇÃO PÚBLICA

EDUCAÇÃO PÚBLICA

Tema complexo e um grande problema no Brasil. Nossa taxa de analfabetismo é muito alta, o nível de aprendizagem dos alunos é baixo, o nível de formação dos professores também e o salário destes profissionais é o menor entre os que possuem nível superior. Não temos um problema na educação, temos uma tragédia. Nossos alunos possuem deficiências que vão da dificuldade em conseguir ler e entender um texto em Língua Portuguesa a fazer operações matemáticas simples. Nossos professores possuem salários tão baixos que comprometem seu aperfeiçoamento constante na profissão. Pedir a um professor para ele pagar uma pós-graduação ou comprar livros é como pedir a um mendigo para ele ir almoçar no restaurante mais caro da cidade. E esta não é uma realidade apenas baiana, pois as notícias que temos é que em outros Estados chega a ser muito pior.

A conseqüência de um salário muito baixo para o professor é que este tem que procurar aumentar sua jornada de trabalho para aumentar sua renda. Tomemos como exemplo a Bahia. Neste Estado a jornada semanal de trabalho de um professor público é entre 20 e 40 horas semanais. A jornada de 40 horas corresponde a 8 horas por dia e está de acordo com as nossas leis trabalhistas. Pois saiba que vários professores do Estado possuem 60 horas, alguns 80 e, acredite ou não, há casos de 100 horas por semana. Em Paulo Afonso é fácil: 40 horas no Estado da Bahia, 20 horas na prefeitura municipal, 20 horas no Estado de Alagoas (em Delmiro Gouveia, havendo também a possibilidade de trabalhar em cidades pernambucanas vizinhas) e ainda, possivelmente, mais 20 horas na UNEB. Como ele consegue trabalhar 100 horas por semana? Simples: ele não consegue. Ele falta uma semana ali, outra semana aqui, outra em outro lugar e assim vai. Por que ele faz isso? Porque precisa sobreviver, pagar suas contas, sustentar a família, coisas que qualquer cidadão precisa fazer, mas a renda é muito baixa e ele tem que aumentá-la. É evidente que a qualidade do seu trabalho sofre um rebaixamento.

Já há muito tempo o Estado brasileiro é omisso e irresponsável com a educação pública. A coisa passou a piorar a partir de 1994 quando foi criada uma lei chamada Fundo Social de Emergência, depois chamada Fundo de Estabilização Fiscal e hoje se chama Desvinculação das Receitas da União, mudou-se o nome mas a irresponsabilidade é a mesma, pois esta lei permite legalmente que o governo federal retire dinheiro da educação pública. Desde 1994 calcula-se em 100 bilhões de reais o montante desvinculado da educação por causa desta lei. Tal irresponsabilidade foi apoiada, e mantida, tanto pelo sociólogo Fernando Henrique Cardoso como pelo “socialista” Lula. Inclusive várias políticas educacionais destes governos facilitaram a vida das escolas privadas. Com a adesão ao Prouni várias faculdades privadas tiveram facilidades com isenções de impostos. Recursos públicos para escolas privadas são comuns desde a Ditadura militar. O problema é antigo.

Passeata gay, passeata pela legalização do uso da maconha, passeata pela liberdade de expressão, etc. Nada temos contra essas manifestações por direitos democráticos, nem mesmo contra a hipocrisia moralista das passeatas contra a pedofilia. Mas, e a passeata pela educação pública? Onde está ela? Se você cidadão não quer que seu (sua) filho (a) seja um (a) imbecil, saiba que terá que se mobilizar para isso. A sociedade tem que parar de pensar em respostas fáceis e falsas, como a de que professores e estudantes são culpados, e começar a cobrar dos verdadeiros responsáveis a solução para os problemas da educação pública. Pense um pouco e reaja. Antes que seja tarde demais.

Aristóteles Lima Santana, 11/07/2011

sexta-feira, 1 de julho de 2011

A POLÊMICA SOBRE O CANGAÇO EM PAULO AFONSO

A POLÊMICA SOBRE O CANGAÇO EM PAULO AFONSO

Em Paulo Afonso um grupo de intelectuais tem defendido a identificação de nossa cidade com a cultura do cangaço. João de Souza Lima, Antônio Galdino, Edson Barreto, Luis Rubem e Rubinho Lima são os nomes mais proeminentes dessa linha de pensamento. Livros e seminários anuais já foram produzidos e tudo indica que mais contribuições virão. As motivações para essa identificação são várias para esse grupo, pois Lampião realmente andou por estas plagas diversas vezes e várias lendas citam a furna do morcego como um possível esconderijo dele. A argumentação maior vem, no entanto, da história da Maria Bonita. Ela nasceu na Malhada da caiçara, hoje município de Paulo Afonso. Seria, para esse grupo, a pauloafonsina mais ilustre.

Recentemente um jovem estudante de direito da FASETE provocou o grupo com dois artigos publicados no site de Ozildo Alves. Os artigos atacam o que ele chama de “indústria do cangaço” e acusa o derrame de dinheiro público (da prefeitura e da CHESF) para promover “bandidos e assassinos”. Chega a afirmar que o dinheiro gasto nos eventos sobre o cangaço poderia ser usado para melhorar os hospitais públicos. Nessa questão ele demonstra conhecer pouco sobre orçamento público, pois se a verba destinada a promover eventos culturais não for usada para aquilo a que se destina, também não poderá ser desviada para outras funções. Seu argumento maior é a identificação de Lampião como um bandido assassino e que é um disparate elogiá-lo em eventos públicos. Afirma que outras personalidades como Apolônio Sales, Dom Mário Zaneta e o tenente João Bezerra é que mereciam homenagens públicas. O tenente João Bezerra foi o homem que matou Lampião. Existem acusações de que alguns dias antes ele vendeu armas ao famoso cangaceiro. O jovem estudante não sabe disso, é típico de quem só leu um livro sobre assunto tão vasto como o cangaço (em ambos os textos que publicou ele cita como fonte de pesquisa apenas um livro: “Lampião na Bahia”, de Oleone Coelho Fontes). Lampião se beneficiou de traficantes de armas oriundos das polícias estaduais do nordeste. O tenente João Bezerra provavelmente era um deles. Aliás, de quem vocês acham que os traficantes do Rio e de São Paulo compram armas? Os cangaceiros praticavam estupros? As volantes policiais também. De onde vocês acham que vinha o apoio de uma parte da população sertaneja aos cangaceiros? Defender os “mocinhos” da história é bom, o problema é identificar quem são eles.

Independente do julgamento moral que se faça sobre os cangaceiros não há dúvidas de que o cangaço foi um fenômeno importante da história do nordeste. Nada há que se contestar em quem se dedica ao estudo sobre esse fenômeno. Em Paulo Afonso a influência do cangaço é anterior à emergência deste grupo atual. Desde os anos 50 do século passado um grupo carnavalesco chamado “Os cangaceiros” celebra os combates de Lampião em uma apresentação teatral em época de carnaval. Em várias cidades do sertão o cangaço é reinvidicado como fenômeno cultural típico e não como apologia da criminalidade. Para melhor conhecimento sobre o assunto indico a leitura do livro “Lampiões acesos: o cangaço na memória coletiva”, do professor pauloafonsino Marcos Edilson de Araújo Clemente. Ler mais sobre um assunto tão vasto e complexo ajuda a clarear as idéias.

Há, no entanto, dois paradoxos na identificação de Paulo Afonso com o fenômeno do cangaço. O primeiro é de ordem temporal: o povoamento que deu origem à nossa cidade começou com as obras da CHESF em meados dos anos 40. Lampião morreu em 1938 e o fim definitivo do cangaço se dá em 1940 com a morte de Corisco. Se em 1930 alguém dissesse a Lampião que estava indo a Paulo Afonso, ele se lembraria de imediato da famosa cachoeira e nunca desta cidade. Afirmar que Maria Bonita nasceu em Paulo Afonso é o mesmo que afirmar que ela nasceu em uma cidade que não existia em sua época.

Outra questão é que não só Paulo Afonso é uma cidade que surgiu após o fim do cangaço, mas ela é a negação de tudo o que aquele fenômeno significou. O cangaço é produto das contradições do campo, principalmente da concentração de terras, do poder dos coronéis, dos conflitos entre famílias e da miséria do povo sertanejo. A cidade de Paulo Afonso é fruto de um projeto de desenvolvimento industrial e tecnológico. É filha da modernização e, sendo assim, negação completa do tradicionalismo rural. A construção das usinas da CHESF foi um empreendimento fundamental para a industrialização do nordeste. Enquanto o cangaço é representação do arcaísmo rural, Paulo Afonso é representação do progresso urbano. Procura-se em um fenômeno tipicamente rural o símbolo para um ambiente tipicamente urbano.

O que explica a procura pela simbologia do cangaço em nossa cidade é a origem camponesa dos pioneiros trabalhadores. Existe nessa população o que podemos chamar de saudade do mundo rural. É esse saudosismo que explica a origem tanto do bloco “Os cangaceiros” como do recente movimento dos historiadores locais do cangaço. A opção pelo cangaço sempre vem acompanhada de muita polêmica. A provocação que o estudante da FASETE fez é uma repetição do que acontece em outras localidades onde o cangaço também é cultuado. É bom lembrar que os cangaceiros realmente praticaram crimes. Ninguém até agora procurou a verdadeira identidade cultural de Paulo Afonso nas lutas urbanas de trabalhadores e estudantes. É uma opção, mas envolve um debate mais crítico e politizado. Nossos intelectuais preferem, por ora, dirigir-se ao campo.

Aristóteles Lima Santana, 29/05/2011