terça-feira, 30 de agosto de 2011

SOBRE ARIANO SUASSUNA

SOBRE ARIANO SUASSUNA

No dia 28 de julho tivemos o prazer de assistir mais uma palestra de Ariano Suassuna em Paulo Afonso. Membro da Academia Brasileira de Letras e um dos maiores escritores brasileiros vivos, Ariano é um homem de convicções firmes na defesa de um ideal de cultura nacional livre da cultura de massa importada. Não, ele não é xenófobo. Em suas palestras há elogios a Gogol, Dostoievsky, Lorca, etc. Para Ariano existe uma cultura universal, mas ela está restrita às formas antigas: o barroco, o romântico, o clássico. A cultura “pop” moderna diminuiu a qualidade da arte pela massificação do gosto médio e é contra esse processo que ele se insurge. As formas antigas conseguem, em sua visão, manterem-se atuais com uma qualidade não encontrada na arte moderna. Ele também não é um folclorista. Para Ariano os folcloristas petrificam a cultura popular como algo exótico e preso ao passado. Ele é mais ambicioso. Para ele a cultura popular é viva e atual. Um exemplo: um cordel que ele conheceu relatando a chegada do homem à Lua. Para um folclorista é um desvirtuamento do cordel, mas para ele é a prova da atualidade desta forma de literatura popular.

Ele não gosta de Michael Jackson, Beatles, Pink Floyd, Lady Gaga, etc. Não gosta do rock nacional. Música para ele é sem guitarra. Seria de se esperar que boa parte do público o detestasse. Paradoxalmente Ariano consegue ser popular e visto com simpatia por um público que não tem tanta antipatia pela cultura “pop” moderna. A arma dele é o humor. Suas palestras são engraçadas e ele conquista o público com facilidade. Seu estilo é, no entanto, ofensivo. Ele não poupa a cultura “pop” moderna, ataca-a sem dó nem piedade. Chega mesmo a xingá-la de vez em quando. Ariano não é um destes “politicamente corretos” bonzinhos. Ele é um guerreiro. Está convencido de que tem uma missão em sua vida que é a de defender a cultura popular brasileira e está disposto a ir até o final em seu intento. Ele tem mais de 80 anos e não parece querer desistir.

Não faltam aqueles que o atacam. “Quixotesco”, “reacionário”, “dinossauro”, são apenas alguns dos títulos atribuídos a ele por críticos de suas posições. Ariano defende-se atacando. Em suas palestras essas críticas são lembradas e, com bom humor, ele as rebate. Para o jornalista que o chamou de “quixotesco”, por exemplo, ele agradece o título, pois Dom Quixote é um dos maiores heróis da literatura. Querendo falar mal dele acabou por elogiá-lo. Ariano conclui que o dito jornalista “não tem competência nem para falar mal dos outros”.

Com relação à política Ariano posiciona-se à esquerda. É um cristão socialista. Um católico que tem apreço pelos mais pobres. Ele sempre c ita o mestre Machado de Assis, que dividiu nosso país em Brasil Oficial (o das elites) e Brasil Real (o povo), e diz que prefere o último em detrimento do primeiro. Quando trabalhou como secretário de cultura no Estado de Pernambuco foi um ativo defensor e incentivador da cultura popular, tendo levado para o interior palestras e eventos com o intuito de despertar no povo a valorização de sua própria cultura. Contra aqueles que diziam que ele seria um secretário “meramente decorativo”, ele arregaçou as mangas e foi mais ativo que muitos de seus colegas mais jovens.

Podemos discordar de algumas idéias de Ariano Suassuna, mas devemos concordar que ele tem seus méritos. É um homem com princípios e os defende com coragem; não tem medo de desafiar o senso comum; não teme atacar o gosto artístico medíocre das massas e só recua de uma posição se for plenamente convencido de que está errado. É um homem raro hoje em dia. No tempo em que vivemos muda-se de idéia como se muda de roupas e princípios são comprados com dinheiro ou cargos públicos. Muitos se acovardam e evitam falar o que pensam com medo da impopularidade. Tem muito covarde e puxa-saco pelo mundo, sendo assim, conhecer alguém como Ariano Suassuna é um privilégio.

Aristóteles Lima Santana, 31/07/2011.

sábado, 27 de agosto de 2011

CRISTOVAM BUARQUE FALA SOBRE PRÉ-ESCOLA


Pré-sal ou pré-escola?

Fonte: A Voz do Cidadão

Autor: Cristovam Buarque

Diversos recursos econômicos do Brasil foram apresentados, cada um à sua época, como o caminho para o progresso nacional e a emancipação pessoal dos brasileiros: o açúcar, o ouro, o café, a borracha, a indústria. Em todos esse momentos, o futuro do País foi prometido como o resultado de uma atividade econômica central. Agora surgiu o pré-sal.

O açúcar gerou riqueza, mas não emancipou o povo do Nordeste, nem deixou o país mais civilizado. O ouro serviu mais para embelezar Portugal e enriquecer a Inglaterra do que para desenvolver o Brasil. A industrialização fez do Brasil uma potência econômica, mas ao custo de uma sociedade campeã em violência e desigualdade.

Com o pré-sal não será diferente. Depois de gastar centenas de bilhões, aproveitando toda a reserva a um preço satisfatório do petróleo, o resultado final será igual ao dos anteriores. Terá apenas duas diferenças: o custo financeiro será muito maior, sacrificando o presente; e os impactos ecológicos muito maiores, sacrificando o futuro. Como o ouro acabou, o petróleo do pré-sal acabará. Ou será substituído, como foi a borracha.

Outra vez, prisioneiro da economia baseada em recursos naturais, o Brasil não percebe que a saída está em se transformar em produtor de conhecimento: ciência, tecnologia, cultura. O único recurso capaz de superar dificuldades, substituir obsolescências e dinamizar a economia é o conhecimento: capaz de explorar o pré-sal, e mais – de inventar substitutos para o petróleo.

E para ter ciência e tecnologia, é preciso investir na pré-escola de todas as crianças. Por isso, no longo prazo, a pré-escola é mais importante do que o pré-sal.

“O atraso decorre do abandono da educação de nossas populações”

Lamentavelmente, essa não é visão da nossa sociedade. Um clássico da literatura de esquerda diz que o subdesenvolvimento da América Latina foi provocado pelas “veias abertas” que provocaram a sangria dos recursos naturais de nosso continente. Na verdade, o atraso decorre do abandono da educação de nossas populações e a resultante impossibilidade de construir uma forte infra-estrutura científica e tecnológica. Mais do que as “veias abertas”, foi o “abandono dos cérebros” que atrasou o continente. Se, ao longo dos séculos, o Brasil tivesse perdido seu patrimônio natural mas investido na educação de seu povo, hoje, na época da economia do conhecimento, estaríamos na linha de frente do desenvolvimento econômico.

Finalmente, diversos projetos têm surgido visando à vinculação dos royalties do petróleo com investimentos na educação. O presidente da República também de apropriou da ideia de que parte dos recursos do pré-sal seja canalizada para financiar a educação. No entanto, o risco é que, de novo, os investimentos na educação sejam adiados para um futuro distante. E quando o pré-sal começar a dar resultado, o Brasil tenha perdido mais uma geração e o pré-sal se torne outra ilusão, adiando a revolução de que o Brasil tanto precisa. Além disso, de pouco servirá investir em educação daqui a alguns anos se, até lá, não tivermos cuidado das crianças que estão em idade pré-escolar hoje.

“Para fazer o PAC, a Copa e as Olimpíadas, ninguém propõe esperar o pré-sal”

O Brasil não pode nem precisa esperar o pré-sal para investir nas suas crianças. Não pode porque o futuro estará na economia do conhecimento, não na exportação petrolífera. Não precisa, porque já dispõe dos recursos necessários. Vincular a revolução educacional à hipotética e futura exploração da reserva do pré-sal é um suicídio nacional.

“Adotar” todas as crianças em idade pré-escolar – com tudo o que for preciso para iniciar o desenvolvimento intelectual das futuras gerações – custará, no máximo, R$15,5 bilhões por ano, o equivalente 1% do que será gasto com o PAC, o pré-sal, a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016, caso o Rio de Janeiro seja a cidade escolhida. Mas para fazer o PAC, a Copa e as Olimpíadas, ninguém propõe esperar o pré-sal.

A pré-escola é mais importante, construtiva, viável, ética, barata e sustentável do que o pré-sal. Entre pré-escola e pré-sal, três letras a mais fazem uma radical diferença no futuro do País.

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

ALBERTO DINES FALA SOBRE CONFLITOS RELIGIOSOS HOJE

Depois da Guerra Fria, a Guerra Santa

Por Alberto Dines em 23/08/2011 na edição 656


A questão religiosa está nas manchetes, capas, telinhas e monitores da mídia mundial. Há mais tempo, com mais destaque e mais espaço do que a crise econômica mundial (formalmente iniciada em setembro de 2008) e os conflitos bélicos propriamente ditos.

O mapa-múndi contemporâneo é na realidade um registro cartográfico das fogueiras acesas depois da queda do Muro de Berlim. O fogo sagrado inviabiliza o Afeganistão (Ásia Central), divide a dividida Indonésia, inflama o Irã, sangra o Iraque e todo o Oriente Médio (Israel inclusive), espalha-se pelo Magreb, vai ao centro da África, cruza o Mediterrâneo, volta a se aninhar no habitat natural da Península Ibérica, infiltra-se em quase toda a Europa, Países-Baixos, Escandinávia (o Massacre de Oslo foi um pogrom religioso), atravessa o Atlântico e instala-se no sistema linfático dos Estados Unidos. A América Latina não escapa da grande conflagração embora os adversários (católicos e protestantes) identifiquem-se como soldados de Cristo.

Esclarecimento, ponderação

Não se trata de um enfrentamento litúrgico ou teológico, Deus não está em discussão, nem a conquista territorial dos Estados conflagrados como aconteceu na Guerra dos Trinta Anos (1618-1648). O objetivo das cruzadas do século 21 é a conquista dos corações e mentes (mais aqueles do que estas) dentro desses Estados.

O que estamos testemunhando sem perceber não é o “choque de civilizações” como o previu Samuel P. Huntington, mas uma tentativa de paralisar o processo civilizacional que marca a humanidade há alguns milênios. Gigantesca guerrilha política, a primeira no gênero, verdadeiramente global, disfarçada em conflito confessional com o objetivo de trocar o ser humano pleno, soberano, em mero adorador de imagens e rituais.

A consagração da sinistra Michele Bachman, a verdadeira feiticeira de Salem, como líder do Tea Party (ou Hate Party, dá no mesmo) liquida o conservadorismo político americano e obriga os republicanos – todos os republicanos – a se aproximarem de uma forma ou de outra da arcaica Ku-Klux-Klan.

Em Madri, o papa Bento 16 diante da maior concentração religiosa na história do país adverte energicamente aos jovens que foram ouvi-lo na Jornada Mundial da Juventude que só existem duas opções de vida: casar-se ou ingressar em conventos. Sua Santidade não explicou o que devem fazer aqueles que não querem ou não podem se casar e os que recusam encarcerar-se numa ordem religiosa. Suicidar-se ou cair na gandaia?

As Organizações Globo declaram-se laicas em seus Princípios Editoriais, mas não conseguiram cobrir – de forma isenta ou engajada – o que se passou na Espanha antes, durante e depois da visita do papa. Apenas a Folha de S.Paulo, nos minguados espaços entre colunas assinadas e anúncios de imóveis, ofereceu uma pálida idéia das manifestações em defesa do Estado secular na Espanha.

Laicismo não é sinônimo de omissão. Jornalismo laico é obrigatoriamente esclarecedor, ponderado, ajuizado. Sobretudo tolerante. Defender o Estado secular não significa investir contra as religiões ou crenças, queimar templos, livros sagrados ou desrespeitar devoções. Significa apenas defender o Estado de Direito democrático e isonômico.

Mais luz

O mundo maometano fragmenta-se irremediavelmente: a divisão entre xiitas e sunitas ultrapassou a rivalidade entre seitas e dinastias que conflitam há 1.500 anos. Gerou um processo incontrolável de disputas e fragmentações menores que, longe de pacificar o Islã para fortalecê-lo, sangra-o em batalhas fratricidas perenes. O Islã surgiu como um processo conciliador – isso precisa ser mostrado ao leitor, ouvinte, telespectador.

O Estado de Israel foi criado a despeito da oposição da maioria dos religiosos ortodoxos que só admitiam a Redenção pelas mãos do Messias. O fundamentalismo religioso judaico está corroendo não apenas os fundamentos da democracia israelense como os do próprio sionismo. Nas comunidades judaicas da Diáspora o apoio aos governos de Israel deixou de ser automático, natural. Isto é bom para revitalizar os fundamentos éticos e culturais do judaísmo. E quem O Globo designa para opinar sobre o Oriente Médio na sua nobre página de opinião? O cônsul honorário de Israel no Rio de Janeiro, religioso, declaradamente de direita.

Os movimentos desta Guerra Santa Mundial precisam ser detectados e explicados, senão nas apressadas edições diárias, pelo menos nos fins de semana. O jornalismo impresso entrou em decadência porque voluntariamente abriu mãos das suas vantagens intrínsecas.

Um jornalismo laico como o preconizado nas diretrizes das Organizações Globo pede mais luzes, mesmo que hoje o Iluminismo seja confundido com uma marca de lâmpadas.

Fonte: Observatório da Imprensa

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

O REGIONALISMO SERTANEJO DE RUBINHO LIMA

O REGIONALISMO SERTANEJO DE RUBINHO LIMA.

Rubervânio Rubinho Lima é um jovem escritor pauloafonsino que acaba de lançar mais um livro. O primeiro foi “Conversas do Sertão”, uma coletânea de contos lançada em 2009. O título já indica a clara opção do escritor pelo regionalismo literário. Histórias do povo do sertão, sua fala, vestuário, medos, alimentação, tudo aquilo que chamamos de cor local. Agora Rubinho nos brinda com “Regionalismo sertanejo”, uma coletânea de quatro estudos sobre seu assunto preferido. A sequência dos livros deixa clara sua paixão pelo tema. O autor de literatura regionalista resolve estudar sua própria linha de trabalho.

Em pauta a atualidade da literatura regionalista, suas origens e alguns dos nomes mais conhecidos do estilo. O regionalismo surge como afirmação da região, de suas particularidades, em relação ao conjunto da nação. É uma das manifestações da literatura moderna. O auge do regionalismo na literatura se dá entre os anos 30 e 50. Graciliano Ramos, Jorge Amado e José Lins do Rego são alguns dos nomes mais conhecidos. Uma das características principais desta literatura é a denúncia dos problemas sociais da região: a seca, a fome, a sede, os desmandos das elites locais, etc. Na visão de Rubinho a vigência destes flagelos sociais ainda nos dias de hoje provoca a atualidade deste tipo de literatura.

Foi bom o Rubinho tocar neste assunto porque nos dias atuais uma certa leitura “politicamente correta” tenta desvirtuar o valor do regionalismo. Não são poucos os que hoje tentam afirmar que Jorge Amado e Graciliano Ramos ao escrever sobre famintos, cangaceiros e prostitutas negras estariam estigmatizando os pobres do Nordeste. Uma leitura mínima sobre o assunto vai nos mostrar que estes autores eram de esquerda e que viam na literatura um meio para divulgar o sofrimento dos oprimidos. Seus livros apareceram para um público que não conhecia a televisão, era por meio deles que a classe média do sul tomava consciência do sofrimento dos pobres do Nordeste. Algo parecido aconteceu com o filme (que também é livro) “Cidade de Deus”, quando alguns o acusaram de estigmatizar os negros que vivem na favela. De tanto se fixar no conceito de “estigmatização” o “politicamente correto” se esquece da importância de denúncia social. Como se o Brasil já tivesse superado suas grandes contradições sociais ou como se não denunciar a situação dos pobres fosse resolver seus problemas.

Para nós é importante que se valorize a literatura regionalista, mas o leitor nordestino deve ter consciência da amplitude da literatura. Se for verdade que o “sertão é do tamanho do mundo”, como nos diz Guimarães Rosa, podemos afirmar que a literatura é do tamanho do universo. Um dos problemas de ser escritor no nordeste é a cobrança para que este limite sua obra ao regionalismo. Como se o Nordeste fosse uma maldição a qual o escritor estivesse preso. A opção pelo regionalismo é legítima, mas outras opções também o são. O escritor é um artista livre e decide o caminho para onde quer guiar sua arte. Se a opção pelo sertão for feita de forma consciente, e não forçada, a arte literária sairá bem feita. Lendo os trabalhos de Rubinho Lima dá para perceber que ele fez a opção consciente e certa.

Aristóteles Lima Santana, 24/07/2011.