sábado, 13 de agosto de 2011

CINEMA: A ESTÉTICA-CLIP

A estética-clip como metástase do espetáculo

André Setaro
De Salvador (BA)

A estética do videoclipe, que, como metástase, invade a indústria cultural cinematográfica, está a destruir a linguagem fílmica. Os filmes são fragmentados, picotados, como se uma máquina de costura fosse a montadora das películas, a destruir, com isso, o clima, a ambientação, a durée - leia-se conceito de duração. Admite-se tal velocidade para o videoclipe como tal, mas quando a sua estética se expande para a dramaturgia cinematográfica vê-se, neste caso, um perigo real e imediato para o cinema. Os grandes cineastas sempre tiveram em mente o conceito de duração que proporciona o clima, o envolvimento e, neste, a instalação do poder de convencimento capaz de tornar o espectador um cúmplice do espetáculo.

Acontece que a nova geração, a do audiovisual, perdeu, por causa da asfixia proporcionada pela indústria cultural, a capacidade de contemplar e, sem contemplar, não existe possibilidade de se adentrar na coisa para conhecê-la. Tudo se passa muito rápido, as tomadas se sucedem em questão de segundos, e a maioria dos filmes contemporâneos redunda na nulidade. A estética do videoclipe incorporada ao espetáculo cinematográfico parece uma peste endêmica a assolar os produtos oriundos da indústria cultural de Hollywood.

É por isso que, quando surge um filme como Ervas daninhas (Les herbes folles), de Alain Resnais, ou mesmo, para ficar, apenas, em três exemplos atuais, Cópia fiel, de Abbas Kiarostami, ou Tetro, de Coppola, ou Midnight in Paris, de Woody Allen, a sensação é de algo diferente, de uma obra que passa uma emoção e uma reflexão, com clima e eficiência dramática, que seriam impossíveis dentro da estética da tesourinha ou da máquina de costura.

Sofre, com isso, a linguagem cinematográfica, que, com a incorporação da estética do videoclipe ao espetáculo cinematográfico, se encontra num processo de marcha-a-ré. É impossível se assistir a um filme, atualmente, com o maneirismo demencial de dar ao espectador apenas alguns segundos de uma tomada. Viciada, a nova geração não mais aceita um filme normal, com a durée controlada e por desvio, tende a considerá-lo um filme lento e chato - e não se está a falar aqui de obras realizadas em planos seqüenciais, mas de películas nas quais o realizador concebe a duração dentro dos padrões normais de acompanhamento da atenção. Kubrick, neste particular, é um mestre no saber dimensionar o conceito de duração.

A síndrome matriz, antes de fornecer algo de novo e interessante, estabeleceu um ritmo e um padrão capazes de pôr o prazer de se ir ao cinema por água abaixo. Como se já não bastasse a instauração dos efeitos especiais como conditio sine qua non do sucesso comercial. E, neste particular, existe um culpado: George Lucas, em 1977, com Guerra nas estrelas (Stars war), que, com as continuações dos anos 90, permitiram a emergência da irritabilidade em espectadores menos comprometidos com a velocidade rítmica.

Se o cinema hollywoodiano atual é um cinema dirigido por executivos estranhos ao assunto (Coca-Cola, Mitsubichi, Sony, etc), no passado, entretanto, as coisas eram diferentes. Existiam os grandes estúdios (que foram fundidos com suas características totalmente desaparecidas), regidos por chefões que, poderosos, apesar da ânsia do lucro, gostavam e entendiam de cinema (Harry Cohn, da Columbia, Jack Warner, da Warner, Louis B. Mayer, da Metro, David Selzsnick...).

A planilha da produção, hoje, é uma linha de montagem como uma fábrica de salsichas: tantos filmes de ação, tantos filmes de monstros e alienígenas, e por aí vai. Os efeitos especiais se sobrepuseram em detrimento da construção psicológica dos personagens, da estruturação destes como pessoas de carne e osso. Vêem-se marionetes e títeres, a correr dos perigos, a se desvencilhar dos obstáculos, mas, nunca, personagens com poder de convencimento e envolvimento. É verdade que há um Clint Eastwood para salvar o pobre cinéfilo, e, para se ser sincero, mais alguns, como Scorsese, os fratelli Coen, William Friedkin (a revisão semana passada de O exorcista assustou-me pelo grau de competência de sua mise-en-scène), Paul Thomas Anderson, Robert Zemeckis, Lars Von Triers, aquele coreano de O amor à flor da pele, entre poucos.

O cinéfilo de antigamente se transformou em mero consumidor. Ver filmes virou sinônimo de comer pipocas e se abastecer, até o afrontamento do estomago, de hambúrgueres, refrigerantes post-mix de 750 ml, guloseimas a perder de vista. Os exibidores revelaram que os complexos de cinema, instalados nos shoppings centers, tiram maior renda com a venda de fast-food do que com os ingressos propriamente ditos. Quem quiser uma prova basta dar uma olhada em sessão noturna de dia de semana, excetuando-se as da quarta cujos ingressos são mais baratos.

E para coroar a decadência do cinema contemporâneo - pelo menos o cinema que se oferece na bandeja do circuito - surgiu a prática odiosa da tesourinha, isto quer dizer: a introdução da estética do videoclipe na narrativa cinematográfica.

As tomadas rápidas, a insistência da ação contínua e a velocidade excessiva imprimida ao ritmo do filme não deixam margem à respiração e à contemplação. E contrariamente aos filmes dos grandes mestres, que sabiam dosar os momentos fortes e os momentos fracos, nas películas atuais praticamente só existem os primeiros. Não há pausas, necessárias, que preparam o espectador para o clímax. Pena que assim seja, pois os amantes do bom cinema estão se afastando das salas de projeção e se recolhendo ao conforto caseiro para ver filmes de sua preferência em DVD. A oferta destes está excelente. Há filmes para todos os gostos. E não se tem que suportar os celulares vazios, as pipocas em mandíbulas alheias, as conversinhas de débeis mentais, a ambiência, enfim, de um inferno.

Os aborrecentes que vão ao cinema, além de aborrecer aqueles que gostam da chamada sétima arte, se tornaram verdadeiros vândalos. Comer em cinema deveria ser proibido. Não fazem isso com o cigarro por causa da paranóia antitabagista que assolou a politiquice correta?

André Setaro é crítico de cinema e professor de comunicação da Universidade Federal da Bahia (Ufba).

Fonte: Portal Terra

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