sexta-feira, 27 de julho de 2012

SOBRE CRÍTICA LITERÁRIA


CRÍTICA LITERÁRIA
A ficção que sente vergonha
Por José Castello em 22/05/2012 na edição 695
Reproduzido do suplemento “Eu & Fim de Semana” do Valor Econômico, 18/5/2012; intertítulos do OI
Os críticos literários não suportam a ideia de que a crítica literária é, ela também, um tipo (ainda que envergonhado) de ficção. A hipótese os horroriza, pois desmorona a torre de conceitos e preconceitos desde a qual eles observam, com a postura de metódicos cientistas, a produção literária. Afasta-os das garantias de verdade que eles supõem inerentes ao trabalho crítico. Esfacela suas armaduras e os expõe.
A crítica trabalha, ela também, com a ilusão de verdade. Arcabouços teóricos, tradições analíticas, protocolos de leitura, nenhuma dessas couraças garante, contudo, a presença da verdade. Todo crítico é, antes de tudo, um leitor comum. Por mais que lute contra isso, nenhum crítico consegue calar o leitor comum que traz dentro de si. Uma grande diversidade de aspectos subjetivos entra, sempre, em jogo em sua atividade. A crítica – mesmo a mais “pura” delas – está impregnada de memória, de superstições mentais, de devaneios e imaginação. Também ela deriva da fantasia e, em consequência, se aproxima (“é”) da ficção.
Juan José Saer, o grande escritor argentino, observou certa vez que a ilusão da não-ficção se tornou, em nossos tempos, o gênero da moda. O rechaço da ficção seria, nesse caso, uma garantia de verdade. Vivemos no século da ciência e da tecnologia – logo, no século da verdade. Mas será? Como desprezar a ficção se somos sujeitos de sonho e de fantasia? Se estamos, desde a mais remota infância, aprisionados às lendas íntimas da imaginação? Se, apesar de nossos esforços sinceros, continuamos prisioneiros de nossa subjetividade – que é sempre limitada, nublada e parcial? “A superioridade da verdade sobre a ficção é apenas uma fantasia moral”, escreveu Saer. A ficção não descarta a verdade objetiva, apenas enfatiza sua turbulência e complexidade. A ficção não mata a verdade, em vez disso, a expande.
Todo crítico é uma vítima do que lê
A razão crítica surge amarrada, ela também, à ficção. Recordo aqui um pensamento do escritor húngaro Imre Kertész: “Quanto mais argumentos apoiam a minha razão, tanto mais longe fico da verdade, porque participo de um jogo de linguagem cujos componentes são todos falsos, me encontro num sistema de ideias que deturpa tudo.” Kertész conhece, muito bem, os aspectos utilitários da noção de verdade. Diz mais: “Se esse sistema de ideias cria uma realidade, a minha realidade dentro dele só pode ser uma realidade instrumental.” Na leitura de uma ficção, uma grande parte da verdade nos escapa. O mais dramático: ela escapa, da mesma maneira, a seu autor. Essas zonas de sombra são, a rigor, o que chamamos de ficção. Só temos acesso ao indizível através do recurso da fantasia.
A crítica, porém, parte do pressuposto de que o autor é senhor de seu texto. Acredita, ainda, que, feito de segredos, jogos e armadilhas, o texto – como em uma escavação arqueológica –, se oferece à sua decifração. Mas é o contrário! Quando lê um livro, um crítico – como qualquer leitor comum – é, mais, objeto da interpretação do que sujeito da interpretação. É como no consultório do psicanalista. Supomos, em geral, que, durante a leitura, o livro se deita no divã (e se oferece para interpretação e decifração do leitor), enquanto o leitor se acomoda na cadeira do analista. Ocorre, porém, o contrário. Quem ocupa a cadeira do psicanalista – quem lê, interpreta e provoca – é o livro. Quem se deita no divã e “sofre” do que lê é o leitor.
Parte majoritária da crítica se aferra a um modelo clássico, que vê a literatura, apenas, como um objeto de estudos. Enquanto isso, ela esconde e renega os impactos que a leitura provoca no espírito de quem lê, afetando assim, diretamente, a leitura que será capaz de fazer. Os críticos desprezam o modo como a literatura os atinge, os desloca e os transtorna. Mas todo crítico, mais que o algoz, é uma vítima do que lê.
A ficção deixa feridas no leitor
Diante de um livro, o crítico deveria seguir a sabia lição formulada por Ernesto Sabato: “Se ele se glorifica, eu o rebaixo; se ele se rebaixa, eu o glorifico; e o contradigo sempre, até que ele compreenda que é um monstro incompreensível.” Contudo, admitir que a leitura é uma atividade inesgotável e impossível é, ao mesmo tempo, admitir que ela o atinge e o atravessa. Um dia, como o Gregor Samsa, de Franz Kafka, o leitor acorda transformado no que não é- ou, pelo menos, no que costumava ser. Eis o efeito da leitura: atravessar o peito de quem lê, seja o leitor autorizado, seja o leitor comum. A mesma faca que fere é a faca que cura. Cada um faz com ela o que pode.
Quando tinha 19 anos, adoeci depois de ler, pela primeira vez, A Paixão Segundo G. H., de Clarice Lispector. Chamado por minha avó, um médico de cabelos brancos diagnosticou: “A senhora não se preocupe, é só uma paixonite.” Foi a primeira grande crítica literária que ouvi – proferida não por um literato, mas por um clínico geral. Ele soube entender que eu sofria de uma paixão. Que um livro me derrubara. E que só a digestão do próprio livro me curaria. Tanto que prescreveu apenas tempo e paciência. De fato, com o passar dos dias voltei a mim. Mas, então, eu já era um outro: a leitura de G. H., para o melhor e para o pior, me transformou. Eu era Gregor Samsa, agora incapaz de ler a mim mesmo.
Volto a Saer, para quem a ficção não é uma negação da realidade, mas uma conexão extrema entre a realidade e a imaginação. A mesma conexão fundamenta o trabalho da crítica. A realidade – as convenções, as tradições, as normas – se expressa no arcabouço teórico que o crítico manipula. Mas nenhum crítico, nem o mais austero, “sai de si” quando se critica um livro. Ao contrário: a leitura o lança para dentro de si mesmo. O livro, como “uma faca só lâmina” – para pensar em João Cabral – o atinge e fere. Toda ficção, de alguma forma, nos adoece, isto é, faz nosso corpo sangrar. Diz Saer: “A ficção não põe em dúvida a verdade, ao contrário, ela realça seu caráter complexo.” A ficção deixa profundas feridas no leitor – mesmo no mais bem equipado deles.
A ficção afeta a maneira de ler
Dizia Clarice Lispector que a ficção não é feita de respostas, mas de perguntas. Quando lemos um livro, essas perguntas se multiplicam e nos ferem. Por mais que lutemos, não conseguimos respondê-las – tanto que lemos, quase sempre, em silêncio. As respostas que esboçamos se transformam em novas perguntas. A grande ficção, em vez de nos apaziguar, nos atordoa. Que outra coisa é o trabalho crítico senão a arte de formular novas perguntas a partir das perguntas primeiras propostas pela ficção? A matéria da literatura não é a verdade, mas algo que a ultrapassa: o enigma. Um enigma não pode ser decifrado, pode apenas ser rondado. Todo crítico, mesmo o mais austero deles, dança em torno de seu enigma. Essa dança é a crítica. Imersa na fantasia e na invenção, a crítica literária não passa, no fim das contas, de um desdobramento da ficção.
Ainda que não escreva na primeira pessoa; ainda que não diga uma só palavra a seu próprio respeito; ainda que lute para se conservar objetivo e imparcial, o crítico será sempre um prisioneiro da ficção que tem diante de si. Ela o transpassa, o deforma e reelabora seus pensamentos. Ela o afeta e altera sua maneira de ler. Mesmo a mais ortodoxa crítica literária é, sim, uma forma – ainda que discreta e envergonhada – de ficção.
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[José Castello é jornalista e escritor, colunista do suplemento “Prosa & Verso”, de O Globo, e autor de Vinicius de Moraes: O Poeta da Paixão (Companhia das Letras), Inventário das Sombras (Record) e Ribamar (Bertrand Brasil), dentre outros]
Fonte: Observatório da Imprensa.

quarta-feira, 18 de julho de 2012

SOBRE "O CEMITÉRIO DE PRAGA"


O CEMITÉRIO DE PRAGA
“O cemitério de Praga” é o título do mais recente romance do escritor italiano Umberto Eco. O personagem principal, Simonini, narra em um diário escrito em poucos dias sua vida de agente secreto, falsificador de documentos, sabotador de movimentos revolucionários e antissemita convicto. A história é ambientada no século XIX e percorre a Itália, França e Alemanha. O tema principal é o delírio das conspirações imaginárias. Para Simonini judeus, maçons e jesuitas conspiram para dominar o mundo. Ele não só acredita nestas conspirações como, ao longo de sua vida como agente secreto de vários governos, forja documentos para comprová-las. Tudo muito bem pago, claro.
Embora ambientado no século XIX esta história encontra em nossa época uma atualidade surpreendente. Em primeiro lugar porque com os recursos tecnológicos que temos ficou muito mais fácil do que no século de Simonini falsificar documentos ou textos e apresentá-los como reais. Temos até software para alterar fotos. Mas o pior é que a crença em conspirações imaginárias ao invés de diminuir tem aumentado. Em um país como o nosso, em que o povo possui um nível muito baixo de cultura, a situação beira o ridículo.
No livro de Eco as lendas tolas sobre o que fazem os maçons em suas reuniões são citadas por muitos personagens e quem conversar com algumas pessoas nos dias de hoje poderá escutar várias delas. Um dos pontos centrais do romance é uma suposta origem para os “Protocolos dos sábios de Sião”, documento forjado pela polícia do Czar “comprovando” uma suposta conspiração judaica para dominar o mundo.
O mundo das conspirações imaginárias pertence ao universo das seitas e hoje conhecemos um processo de expansão delas. Não falo apenas das seitas evangélicas, embora algumas delas também ajudem no processo de inventar conspirações. Há alguns meses em Paulo Afonso, minha cidade, fez sucesso nos camelôs que vendem DVD’s piratas uma série que denuncia uma suposta conspiração de um grupo secreto chamado “Iluminati”. Quem faz parte deste grupo segundo quem fez o DVD? Bem, personalidades importantes: presidentes, políticos, empresários, astros da música pop (Bono Vox e Rihana são citados), além de Scubidoo e Bob Esponja. Não, você não leu errado, pois segundo o grupo que divulga o DVD nestes desenhos (e em outros) existiriam mensagens sublimadas para você. Mais patético é impossível. As montagens com fotos e imagens beiram o ridículo.
De vez em quando um espertalhão aparece na TV dando entrevista afirmando que o homem não foi à lua e que as imagens de 1969 são falsificações criadas pela NASA. Ele não explica o porquê dos soviéticos não terem denunciado isso na época ou como cientistas de alto calibre tenham concordade em participar de tal “farsa”. Mas ele aparece sempre com um DVD e um livro para você comprar.
No livro de Eco aprendemos também que o universo das conspirações é o mundo dos falsificadores e espertalhões. Todos eles ávidos pelo dinheiro de pessoas ingênuas. Ao contrário do que se pensa este tipo de falsificador não está muito preocupado em comprovar o que afirma. Ele cria uma história fantástica, usa para isso o medo e a ignorância de parte da população e, quando alguém tenta desmascará-lo, ele o acusa de pertencer à conspiração que ele denunciou. Fácil.
A tendência de algumas pessoas acreditarem em conspirações imaginárias deriva de sua ignorância. Elas não compreendem as relações concretas de poder dentro da sociedade, não entendem sobre hegemonia e relações de força, não compreendem o que é a luta de classes e como ela se processa, não possuem uma visão ampla sobre as contradições sociais, econômicas e políticas. Na falta deste conhecimento abre-se espaço para a imaginação e o delírio. Em nosso país, cujo povo tem uma média de leitura muito abaixo do mínimo razoável, existe um campo imenso de ignorância para ser explorado pelo tipo de farsantes e espertalhões denunciados no livro de Eco.
É preciso que se esclareça que conspirações realmente existem. Mas elas são reais e concretas, envolvem agentes que representam interesses e forças políticas e econômicas reais da sociedade. O golpe militar de 1964 foi fruto de uma conspiração e o PCB  conspirou para tomar o poder em 1935. Mas estas conspirações envolveram agentes reais da luta política e estavam inseridas na luta de classes em nível nacional e mundial. Todos sabemos quem foram seus agentes. No primeiro caso os militares direitistas a serviço da CIA e da elite brasileira e no segundo os comunistas do PCB orientados pelos soviéticos. Não há “mistérios” fantásticos envolvendo tais eventos e grupos.
Mas o mais grave nessa história de falsas conspirações é que a ação fanática ou irresponsável de tais farsantes pode levar a tragédias. O caso mais grave é o dos “Protocolos dos sábios de Sião”. Documento falso forjado pela polícia da Rússia pré-revolucionária e que justificou massacres de judeus no fim do século XIX e início do século XX. Foram usados também pelos nazistas para justificar o Holocausto durante a segunda guerra mundial. Quando uma farsa encontra uma conjuntura específica de alcance popular ela pode levar ao delírio fanático e assassino. O livro de Umberto Eco nos ajuda a refletir sobre como a atitude de canalhas farsantes como Simonini pode gerar nas massas ignorantes um nível de excitação assassina. Uma leitura necessária nos dias de hoje.
Aristóteles Lima Santana, primeiro de maio de 2012.

terça-feira, 17 de julho de 2012

DINES FALA SOBRE O JORNALISMO VISTO PELAS DIVERSAS FORMAS DE ARTE


DE BALZAC A AARON SORKIN
A Imprensa e a ilusão que não pode ser perdida
Por Alberto Dines em 17/07/2012 na edição 703

Sempre amigáveis com as demais artes, a literatura, o teatro e o cinema têm sido implacáveis quando tratam do jornalismo. Não o consideram da mesma família, jamais ousariam classificá-lo como a 8ª Arte, filha espúria do casamento com a História.
A imprensa começou a ser maltratada a partir do momento em que ganhou escala e institucionalizou-se. Espécie de vingança contra a sua capacidade de multiplicar informações e idéias, castigo contra o seu crescente e imbatível poder. Ilusões Perdidas, que o próprio Honoré de Balzac considerava a obra capital na sua Comédia Humana, começou a ser publicada em 1836, poucas décadas depois da incorporação da palavra journalisme aos principais idiomas europeus e do salto dos quotidiens, diários, para tiragens massivas. [A palavra teria sido criada nos anos 80 do século XVIII; Hipólito da Costa, poliglota com veleidades de linguista, chama os jornalistas de “redatores das folhas públicas”].
É arrasador o percurso do protagonista Lucien de Rubempré, que deixa a província honrada para buscar a glória numa Paris viciada. O jornalismo aparece como destruidor das ilusões. Não há idealismo, não há arte nesta escrita diária.
O prussiano antissemita Gustav Freytag inventou em 1853 um personagem chamado Schmok na comedia Die Journalisten; protótipo do joão-ninguém, rastejante e venal, encontra no jornalismo uma forma de sobreviver. O nome foi fartamente empregado pelo satirista e crítico de mídia vienense Karl Kraus, passou para o inglês e nos EUA entrou no jargão jornalístico. Na Inglaterra, onde a imprensa ganhou a batalha pela liberdade, Anthony Trollope e John Stuart Mill também deram suas contribuições para a desmoralização do jornalismo.
Pedestal
Na Sétima Arte – o cinema –, a imprensa encontrou um pedestal para ser glorificada e satanizada. Foi na telona dos cinemas que o jornalismo apareceu como “a última profissão romântica” e, em simultâneo, como abrigo dos crápulas. A biografia de Émile Zola (produzida pela Warner Brothers e dirigida pelo refugiado do nazismo William Dieterle, em 1937) trata do famoso romancista que tirou o capitão Alfred Dreyfus do degredo na “Ilha do Diabo”, mas não se detém na manchete mais impactante e importante da história do jornalismo, “J’Accuse” (Eu acuso), tirada de uma carta aberta do escritor ao presidente francês.
O trabalho investigativo dos repórteres Woodward & Bernstein derrubou Richard Nixon, o presidente da maior superpotência mundial, mas seu feito maior foi transformar-se em paradigma do jornalismo militante e audaz graças à adaptação cinematográfica do seu livro Todos os homens do Presidente.
O sueco Stieg Larsson, autor da trilogia “Millenium”, morreu prematuramente antes de ver sua obra transformada em best seller mundial e já transformada em dois filmes. Era jornalista e o jornalismo é o pano de fundo para os seus intrigantes e irresistíveis relatos. Os imperfeccionistas, de Tom Rachman, e Exclusiva, de Annalena McAfee, mergulham neste mesmo mundo, devorados não propriamente pelos profissionais de imprensa ou pelos jovens que desejam seguir a profissão, mas por uma legião mundial fascinada pela máquina de celebrar e destruir, entreter e enganar chamada mídia. A recém-lançada série The Newsroom (Redação), da HBO, com apenas quatro episódios, já é tópico de debates, interpretações e execrações. Viva elas!
Meta-jornalismo
A imprensa é uma rede social, orgânica e natural, que antecede a criação formal das redes sociais. Imperiosamente protagonista, abomina os holofotes que ela própria acende, prefere apontá-los em outras direções. Isso explica, em parte, a pauleira a que é submetida desde Balzac a Aaron Sorkin (o autor de Newsroom).
O jornalismo é inevitavelmente meta-jornalismo, a forma de noticiar passou a ser notícia. Uma nova pergunta foi adicionada às clássicas questões que organizam o relato – “que? quem? quando? onde? por que?”. Agora importa saber como o fato está sendo informado. A salvação da imprensa está na manutenção plena da sua pulsação crítica, controlar o seu inconformismo é suicidar-se. A grande virtude do jornalismo está na sua capacidade de ser efêmero e vital, de encarar os seus vícios e escancarar as infâmias que transmite.
Esta derradeira ilusão não pode ser perdida.
Fonte: Observatório da Imprensa.

terça-feira, 3 de julho de 2012

A COMISSÃO DA VERDADE


A COMISSÃO DA VERDADE
A presidente Dilma já nomeou a Comissão da Verdade e Justiça. Os nomes apresentados para integrá-la são bons, mas as condições que terão para trabalhar não serão as mais agradáveis. Ela não terá poder para impor a ninguém a obrigação de testemunhar e os depoimentos que porventura venham a existir não serão públicos. O período que será investigado será muito longo: 1946 a 1988, ou seja, ultrapassará o período do regime militar e, se você quiser saber, nem sequer existe uma previsão orçamentária para o seu funcionamento.
Para quê a Comissão da Verdade? Para punir os responsáveis por torturas e assassinatos durante a ditadura militar no Brasil ocorrida entre 1964 e 1985. Em vários países uma tal comissão já foi formada, pois ela é uma exigência tanto de setores da sociedade civil como de órgãos internacionais como a OEA, o Tribunal Penal Internacional e a ONU. Não se trata, portanto, de uma “revanche” da esquerda, mas de luta pela justiça a partir da punição de torturadores e assassinos.
Alguns mitos propagados pela direita tentam descaracterizar a necessidade da Comissão da Verdade. Um primeiro mito diz que os agentes da ditadura “cumpriam ordens” e estavam em guerra com o “terrorismo” de grupos armados contrários ao governo. Mas o governo da ditadura militar não era legítimo, ele era fruto de um golpe de Estado ocasionado em 1964. Os governantes não haviam sido eleitos pelo povo. O regime de 64 tem o estatuto de Tirania e, sendo assim, não pode ser reconhecida nele nenhuma legitimidade. E mesmo que tivesse não há lugar nenhum do mundo em que representantes de um governo legítimo tenham autorização para matar e torturar.
E os grupos armados? Não leiam Lênin, Mao ou Guevara. Procurem Thomas Hobbes e outros teóricos do Contrato Social, pensadores do moderno Estado burguês. Neles vocês encontrarão as maiores justificativas para a rebelião armada contra a ditadura. Para os Contratualistas a Tirania era a quebra do Contrato e o Tirano era um usurpador, contra ele vale tudo. A ideia de que ambos os lados são “iguais” e merecem ou serem anistiados ou punidos juntos é mera mistificação. Na França em 1946 os colaboradores de Petain foram para o banco dos réus. Não tinha lógica julgar os membros da resistência francesa junto com eles. Nenhum membro da rebelião do gueto de Varsóvia foi julgado no Tribunal de Nuremberg ao lado dos criminosos nazistas. Vítimas são vítimas, algozes são algozes.
Um segundo mito  propagado pela direita brasileira é a validade da anistia dada pelo presidente João Figueiredo em 1979. Nela estão incluidos tanto os militares como os guerrilheiros. Esta anistia não tem validade internacional. Ela não tem validade para a Corte Interamericana de Direitos Humanos, ligada à OEA, e para o Tribunal Penal Internacional. Estas cortes não adimitem anistia para quem cometeu crimes de tortura e assassinato a serviço do Estado. O Brasil faz parte destas instituições e já foi condenado em 2010 pela corte da OEA por não ter punido os militares que participaram da repressão à guerrilha do Araguaia.
Como dá para perceber Dilma tem recebido muitas pressões internas e externas para instaurar a comissão da verdade. A nossa já é tardia. Vários países vizinhos ao Brasil já puniram torturadores e assassinos. Do jeito que está a Comissão terá muitas dificuldades para investigar e punir, mas a partida não está perdida. Com mais pressões internas e externas a presidente Dilma, que tem em sua biografia uma parcela dessa história de resistência à ditadura, poderá tomar medidas mais drásticas e contundentes.
Aristóteles Lima Santana, 13/06/2012.