terça-feira, 25 de setembro de 2012

A LUCIDEZ DE SARAMAGO



A LUCIDEZ DE SARAMAGO
O falecido escritor português José Saramago escreveu um livro cujo título curioso enseja uma provocação: “Ensaio sobre a lucidez”. É o segundo de uma trilogia que inclui “Ensaio sobre a cegueira” e “As intermitências da morte”. Tais livros seguem um padrão comum: fatos extraordinários acontecem em um determinado país e as consequências sociais são vividas por personagens que se apoiam ou se digladiam em meio ao caos. No primeiro uma “cegueira branca” espalha-se como epidemia, no terceiro a “morte” resolve não agir, ou seja, não matar ninguém, em um determinado país. Dá para perceber que Saramago era um legítimo herdeiro de Kafka na literatura e manteve acesa a tocha da chamada “literatura do absurdo” até o fim.
Em “Ensaio sobre a lucidez” ele não coloca eventos mágicos intervindo na realidade (o “fantástico” sempre se mistura com o “absurdo”), mas se utiliza de uma possibilidade real e concreta: a de que a maioria dos eleitores venha a votar nas alternativas nula ou branca. Neste livro a história acontece no mesmo país da epidemia da “cegueira branca” e as autoridades tentam enxergar uma ligação entre a brancura dos votos e a brancura da cegueira. O resultado das eleições assusta a elite e o governo e este instaura o Estado de sítio. A resposta é óbvia: “o povo não quer votar em nós? Então que venha a ditadura”.
A intenção de Saramago é clara: discutir com o leitor o valor do voto nos dias de hoje em que os candidatos, partidos, coligações, lideranças políticas, etc, diferenciam-se muito pouco. No mundo inteiro as políticas que beneficiam o capital financeiro se impõem sobre os Estados, cabendo apenas aos governos cumprirem os “compromissos assumidos” com os órgãos internacionais, sejam eles a OMC ou o FMI. Os tais “compromissos” nada mais são do que garantias de ganho ao capital e certeza de prejuízos aos trabalhadores na gestão econômica dos governos. Esquerda moderada e direita radical ou moderada alternam-se no poder via eleições para garantir esta linha de atuação político-econômica. O célebre Slavoj Zizek fez uma pergunta interessante: “com esta esquerda que está ai, quem precisa da direita?”
No Brasil (possivelmente em vários outros países) o problema inclui o debate sobre a corrupção. Vários eleitores acostumados com as denúncias dos sucessivos escândalos com políticos corruptos em partidos de direita, centro ou esquerda passam a considerar as coligações e partidos como quadrilhas de mafiosos e não como agentes políticos idôneos.
É preciso salientar (o livro de Saramago aponta isso também) que o voto nulo ou branco é uma forma de protesto, mas ele não oferece uma alternativa de mudança. Não existe vazio de poder. Crises institucionais provocadas por excesso de votos nulos ou brancos provocarão ou novas eleições ou golpes militares.  Cabe à esquerda que se mantém coerente conquistar as  massas e propor reais alternativas de mudança social. E isso é possível sim. A história não acabou, ainda estamos no jogo.
 Devo registrar, aliás, que meu voto nas eleições municipais de 2012 em Paulo Afonso será “branco” para prefeito e vereador. Vários amigos meus são candidatos, mas estão em coligações que não merecem meu apoio. Nenhum dos prefeituráveis representa para mim uma real mudança nos rumos da administração pública. Não dá para compactuar com isso. Eu não sei se vocês já perceberam mas eu, literalmente, tenho um nome a zelar.
Aristóteles Lima Santana, 25/09/2012.


quarta-feira, 5 de setembro de 2012

OS ANOS 80 EM PAULO AFONSO


OS ANOS 80 EM PAULO AFONSO
Neste aniversário da cidade não poderíamos deixar de falar de nossa história. Especificamente da década em que uma série de movimentos populares e lutas políticas importantes definiram o contorno político da cidade nos últimos 25 anos. Os anos 80 em Paulo Afonso pertencem à categoria de “melhor dos tempos” universalizada por Charles Dickens, aquele período em que “tínhamos tudo diante de nós, tínhamos nada diante de nós...” É neste período da história de Paulo Afonso em que o conceito de “juventude” adiquire uma conotação política muito clara e onde a luta de classes atinge picos altos de radicalismo. É claro que isto acontece em consonância com a conjuntura estadual e nacional, pois é o período da redemocratização do Brasil.
Os anos 80 em Paulo Afonso começaram em 1979. É o ano de uma grande greve da CHESF que durou poucos dias, mas que unificou trabalhadores da empresa e jovens estudantes. Surgem duas lideranças importantes nesse evento: José Ivaldo e Evandro Paiva, o primeiro era estudante em Recife e o segundo professor de Educação Física no COLEPA. Em torno de José Ivaldo forma-se um grupo coeso de militantes estudantís, é o núcleo original que vai criar a UNESPA (União dos Estudantes Secundaristas de Paulo Afonso), que terá papel importante nas mobilizações populares nesta década. Em torno de Evandro Paiva foi formado o núcleo que criou o PT em Paulo Afonso.
Em 1981 os estudantes lideram uma campanha para que existisse tratamento de água em Paulo Afonso (na época não existia). Essa campanha será caracterizada por grande mobilização popular com reuniões em bairros e ruas. A “campanha da água”, como ficou conhecida, foi um exercício de cidadania e debate político sem precedentes na cidade. Colocou o povo, e não só os políticos “profissionais”, como agentes ativos de uma reivindicação política e social concreta. A liderança de José Ivaldo é muito fortalecida com essa campanha.
Em 1982 eclode uma segunda e duradoura greve dos trabalhadores da CHESF. Mais uma vez a juventude tem um papel ativo no apoio aos grevistas. Neste mesmo ano aparecem as primeiras vitórias políticas da esquerda: José Ivaldo e Evandro Paiva elegem-se vereadores pelo PMDB e PT. Neste período uma importante liderança da Igreja Católica, o padre Alcides Modesto, aproxima-se do PT. Alcides será também um dos expoentes da esquerda na cidade e será deputado estadual e federal.
Em 1984 PT e PMDB, este último capitalizando mais, puxam a campanha das “Diretas já” em todo o país. Em Paulo Afonso a juventude e os trabalhadores vão a campo promover esta que foi uma das maiores mobilizações de massas da história do Brasil. É evidente que estas campanhas foram fundamentais para a população reconhecer quem estava a favor da democracia e da participação popular. Foi inevitável que as lideranças de esquerda se fortalecessem.
Em 1985 Paulo Afonso conhece sua primeira eleição para prefeito desde a implantação da ditadura militar. José Ivaldo sai candidato pelo PMDB e Alcides Modesto pelo PT. Nessa campanha surge a liderança de Luis de Deus, que será o contraponto conservador às outras candidaturas. Será apoiado pelos setores conservadores e saudosistas da ditadura. A campanha de José Ivaldo em 1985 foi marcada por ampla participação popular, sua vitória marca a transição democrática em Paulo Afonso. Um momento memorável foi o dia em que Ulisses Guimarães esteve na cidade e ao meio dia deu um discurso apoiando sua candidatura para prefeito. A Avenida Getúlio Vargas e a Amâncio Pereira ficaram lotadas para vê-lo e ouvi-lo. Em 1986 Alcides Modesto elege-se deputado estadual pelo PT, marcando outra vitória da esquerda na cidade.
A vitória de Luis de Deus para prefeito em 1988 vai assinalar o início de uma reação conservadora e a construção de uma nova hegemonia política bastante duradoura que só será quebrada temporariamente pela vitória de Raimundo Caires em 2004. Ainda assim em 1989 Paulo Afonso conhecerá outra campanha de ampla mobilização popular: a campanha de Lula para presidente. O comitê pró-Lula promove reuniões, panfletagens, mobiliza um grupo de militantes abnegados e dispostos a fazer uma genuína campanha popular sem o clientelismo típico das atuais campanhas políticas, incluindo das atuais campanhas do PT.
Em toda esta década uma nova geração acordou para a política, nomes como: Marcos Edilson Clemente, Nivaldo Lopes, Dimas Roque, Adauto Alves, Pedro Fernando, Sávio Mascarenhas, Glaide Pereira, Alcivandes e Gilberto Santana, Edízio Nunes, Aristóteles Santana, Francisco Sales, etc. Seria enfadonho citar mais nomes, pois a lista seria imensa. Estes e outros que não citei ainda estão ativos politicamente em vários grupos políticos na cidade ou fora dela.
Na década de 90 as lideranças de José Ivaldo e Evandro Paiva conhecem um processo lento de decadência e Alcides Modesto desistirá da política após dois mandatos de deputado federal. A hegemonia conservadora de Luis de Deus será fortalecida pelas hegemonias paralelas de ACM na Bahia e do PSDB no Brasil da era FHC. As vitórias do PT nesse início de século é que apontam para o início do seu declínio que, provavelmente, ainda demorará para ser concluido.
Esta crônica não se caracteriza pelo mero “saudosismo”, mas pela investigação histórica. O cidadão tem que saber o que fizeram os líderes de ontém e de hoje para poder refletir melhor. Os erros e acertos do passado são guias para a reflexão sobre o presente e para a construção de um futuro melhor. A política mudou muito da década de 80 para cá, mas os ecos deste período ainda estão por ai.
Aristóteles Lima Santana, 11/07/2012.