quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

A VOLTA DO LP (LONG PLAY)



A VOLTA DO LP (LONG PLAY)
Na passagem dos anos 80 para 90 a tecnologia nos trouxe uma grande novidade: a passagem do modelo analógico para o digital. Trocando em miúdos podemos afirmar que o modelo analógico é aquele em que a gravação é registrada em sua forma original. No modelo digital a gravação original é transformada em números que são armazenados no seu dispositivo digital. O que você escuta em um LP é analógico e o que você escuta em um CD (ou vê em um DVD) é digital. A partir de meados da década de 90 vimos a ascenção das vendas do CD  e do DVD provocando a sensação de que o modelo analógico haveria de desaparecer para sempre.
Surpreendentemente no final da última década, notadamente a partir de 2006, aumentou a venda de LP’s no mundo inteiro. Até fábricas que fecharam foram reativadas. O LP na verdade nunca deixou de ser um iten procurado pelo público que gosta de ouvir música, mas ele ficou durante muitos anos restrito aos sebos de produtos usados. Na Europa e EUA as poucas fábricas que restaram no final dos anos 90 produziam apenas para colecionadores.
Quais as razões para este fenômeno? A superioridade da qualidade sonora do vinil é uma das explicações, o som do LP é mais forte, ecos e batidas graves são mais perceptíveis nele do que no CD. A gravação digital, inclusive, corta frequências mais altas e mais baixas. A vantagem do CD está na eliminação do ruído e, supõe-se, que a gravação contida nele não se degrada com o tempo de uso. O problema é que em sua gravação digital o som tem que ser compactado e é ai que ele perde em qualidade sonora. Nos últimos anos o MP3 permitiu uma maior compactação da gravação musical, permitindo que um simples CD possa ter uma média de 10 discos. Quanto mais compactada for a gravação mais ela perde em qualidade sonora, o MP3 piorou o CD...
A ascenção vertiginosa da pirataria digital também pode ser uma explicação. O modelo analógico é mais dificil de ser pirateado. Com um simples programa de computador e mídias virgens de CD você pode copiar qualquer disco. Para piratear LP’s você precisará de uma fábrica de vinil... Para alguns a tentativa da indústria musical de vencer a pirataria estaria por trás da volta do LP. Não é uma resposta totalmente satisfatória, pois não explica o porquê do aumento da demanda. As fábricas que foram reabertas só o foram após o aumento das vendas.
Os números são claros: em 2006, na Europa e EUA, cerca de 858 mil LP’s foram vendidos, em 2007, 1 milhão de vendas alcançadas. Em 2008 cerca de 1,8 milhão de unidades vendidas. Em 2007 cerca de meio milhão de toca discos foram vendidos. No mesmo período a venda de CD’s decaiu em 17,5%. Em 2012 as vendas de LP’s nos EUA e Europa aumentaram 14,2% e o site de vendas Mercado Livre registrou um aumento de 30% de vendas deste produto no Brasil.
O modelo digital estará ameaçado pelo analógico? Não, é muito pouco provável. Os DVD’s, por exemplo, jamais serão substituidos pelas antigas fitas VHS. Quem mais consome música são os jovens, e já existe uma nova geração entre 14 e 20 anos que nunca teve o costume de escutar LP’s e, provavelmente, achará estranho o ruído que é típico do produto. Mas não há dúvidas sobre algo importante: a volta do LP é a volta da valorização da qualidade musical e sonora. A apreciação musical decaiu muito com o CD e mais ainda com o MP3. O acesso à música aumentou com este último, mas quase ninguém escuta um disco completo no MP3. Com a facilidade de saltar faixas típicas do sistema digital ficou dificil para a nova geração entender um disco como uma obra de arte que tem que ser escutada por completo. Com o LP a apreciação da obra musical é completa, desde o momento da observação da capa, que é grande e visualmente mais interessante do que as capas de Cd, até o momento de se ouvir o som.
Talvez a volta do LP seja um fenômeno temporário, mas é um aviso interessante para os que acreditam nos determinismos das mudanças tecnológicas. Também é uma prova de que ainda existe em uma grande parcela das massas o desejo por uma qualidade musical e sonora superior.
Aristóteles Lima Santana, 26/02/2013.

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

IMMANUEL WALLERSTEIN FALA SOBRE A SITUAÇÃO ATUAL



Immanuel Wallerstein sobre a situação atual.

Fazer previsões no curto prazo (os próximos um ou dois anos) é um jogo de doidos. Há demasiadas reviravoltas imprevisíveis no mundo real político/cultural/económico. Mas podemos tentar fazer afirmações plausíveis para o médio prazo (uma década ou mais), baseados num quadro teórico viável, combinado com uma sólida análise empírica de tendências e de condicionamentos.
Que sabemos do sistema-mundo no qual vivemos? Em primeiro lugar, sabemos que é uma economia-mundo capitalista, cujo princípio básico é a incessante acumulação de capital. Em segundo lugar, sabemos que é um sistema histórico, o qual, como todos os sistemas (desde o universo como um todo aos menores nano-sistemas) tem uma vida. Começa a existir, vive a sua vida “normal” de acordo com regras e estruturas que cria, até que, em determinado ponto, o sistema fica demasiado longe do equilíbrio e entra numa crise estrutural. Em terceiro lugar, sabemos que o nosso presente sistema-mundo tem sido um sistema polarizado, no qual houve um crescimento constante da brecha entre os Estados e dentro dos Estados.
Estamos numa destas crises estruturais atualmente, que já decorre há 40 anos. Vamos continuar a estar durante outros 20 a 40 anos. Esta é a duração média para uma crise estrutural de um sistema social histórico. O que acontece numa crise estrutural é que o sistema se bifurca, o que significa essencialmente que emergem duas formas alternativas de pôr fim à crise estrutural “escolhendo” coletivamente uma de duas alternativas.
A característica principal de uma crise estrutural é a série de flutuações caóticas e selvagens que atinge tudo – os mercados, as alianças geopolíticas, a estabilidade das fronteiras dos Estados, o emprego, as dívidas, os impostos. A incerteza, mesmo no curto prazo, torna-se crónica. E a incerteza tende a congelar a decisão económica, o que, evidentemente, torna tudo pior.
Eis algumas coisas que podemos esperar no médio prazo. A maioria dos Estados enfrentam, e vão continuar a enfrentar, um aperto entre a redução da arrecadação e os gastos crescentes. O que a maioria dos Estados tem feito é reduzir os gastos de duas formas. Uma é cortar (até mesmo eliminar) uma grande quantidade de redes de segurança que foram construídas no passado para ajudar as pessoas comuns a enfrentar as múltiplas contingências com que se deparam. Mas há também uma segunda forma. Muitos Estados estão a cortar as transferências de dinheiro para entidades estatais subordinadas – estruturas federadas, se o Estado é uma federação, e governos locais. O que isto faz é apenas transferir para estas unidades subordinadas a necessidade de aumentar impostos. Se consideram isto impossível, podem ir à bancarrota, o que elimina outras partes das redes de segurança (nomeadamente as pensões).
Isto tem um impacto imediato sobre os Estados. Por um lado, enfraquece-os, na medida em que mais e mais unidades procuram separar-se, se o consideram economicamente vantajoso. Mas, por outro lado, os Estados são mais importantes que nunca, na medida em que as populações procuram refúgio nas políticas de proteção estatais (mantenha o meu emprego, não o teu). As fronteiras estatais sempre mudaram. Mas prometem mudar com mais frequência agora. Ao mesmo tempo, novas estruturas regionais ligando Estados existentes (ou as suas subunidades) – tais como a União Europeia (UE) e a nova estrutura sul-americana (UNASUR) – vão continuar a florescer e a desempenhar um papel geopolítico crescente.
As relações entre os múltiplos atores do poder geopolítico tornar-se-ão ainda mais instáveis numa situação na qual nenhum destes atores estará em posição de ditar as regras entre os Estados. Os Estados Unidos são um antigo poder hegemónico com pés de barro, mas ainda com poder suficiente para causar danos ao dar passos em falso. A China parece ter a posição económica emergente mais forte, mas é menos forte do que a própria e outros pensam. O grau em que a Europa ocidental e a Rússia se vão aproximar ainda é uma questão em aberto, e tem muita importância na agenda de ambos os lados. A Índia ainda mantém a indecisão sobre como vai jogar as suas cartas. O que isto significa para guerras civis como a da Síria, no momento, é que os intervenientes externos anulam-se uns aos outros e os conflitos internos tornam-se ainda mais organizados em torno de grupos identitários fratricidas.
Vou reiterar a posição que defendo há muito. No fim de uma década, veremos alguns realinhamentos muito importantes. Um é a criação de uma estrutura confederal ligando o Japão, a (reunificada) China, e a (reunificada) Coreia. O segundo é uma aliança geopolítica entre esta estrutura confederal e os Estados Unidos. O terceiro é uma aliança de facto entre a UE e a Rússia. O quarto é a proliferação nuclear numa escala significativa. O quinto é o protecionismo generalizado. O sexto é uma deflação mundial generalizada, que pode tomar uma de duas formas – ou uma redução nominal de preços, ou inflações galopantes que têm a mesma consequência.
Obviamente, não são desenlaces felizes para a maioria das pessoas. O desemprego mundial vai subir, não cair. E as pessoas comuns vão sentir o aperto de forma muito aguda. Já demonstraram que estão prontos a reagir em múltiplas formas, e esta resistência popular vai crescer. Encontrar-nos-emos no meio de uma vasta batalha política para determinar o futuro do mundo.
Os que gozam hoje de riqueza e privilégios não vão ficar parados. Contudo, vai-se tornar crescentemente evidente para eles que não podem garantir o futuro no sistema capitalista existente. Vão procurar implementar um sistema baseado não no papel central do mercado mas antes numa combinação da força bruta e de engano. O objetivo chave é assegurar que no novo sistema permaneçam três elementos chave do presente – hierarquia, exploração e polarização.
No outro lado, haverá forças populares, em todo o mundo, que vão procurar criar um novo tipo de sistema histórico, que nunca existiu até agora, baseado na democracia relativa e na relativa igualdade. É quase impossível prever o que isto significa em termos de instituições que o mundo criará. Vamos aprender na décadas futuras a construir este sistema.
Quem vai ganhar esta batalha? Ninguém pode prever. Será o resultado de uma infinidade de nano-ações por uma infinidade de nano-atores numa infinidade de nano-momentos. Nalgum ponto, a tensão entre as duas soluções alternativas vai inclinar-se definitivamente a favor de uma ou de outra. É isto que nos dá esperança. O que cada um de nós faz em cada momento acerca de cada questão imediata é de grande importância. Alguns chamam-lhe o “efeito borboleta”. A vibração das asas de uma borboleta afeta o clima do outro lado do mundo. Neste sentido, somos todos, hoje, pequenas borboletas.
Fonte: Esquerda.net
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sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

JORNALISMO E INTERNET



O jornalista, entre a multidão e os algoritmos
Por Carlos Castilho em 01/02/2013
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A vida de um repórter pode ter sido facilitada pelos novos gadgets eletrônicos e pela internet, mas se olharmos pelo lado da busca de informações, o seu trabalho ficou muito mais complexo, para dizer o mínimo. No jornalismo tradicional bastava entrevistar a vítima, o agressor, a polícia e os advogados para reunir o material essencial para uma notícia ou reportagem sobre um roubo ou agressão pessoal, por exemplo.
Depois da internet, o repórter tornou-se refém de duas instâncias impessoais, imprevisíveis e numericamente imensas: as redes sociais, onde circulam milhares de pessoas emitindo opiniões, divulgando dados, fatos e eventos; e os robôs eletrônicos que, em quantidade incalculável, circulam pela internet recolhendo informações que são depois indexadas e processadas em bancos de dados, cujo funcionamento é sigiloso.
A expressão “gastar sola de sapato”, transformada em apanágio da investigação e checagem de fatos no jornalismo tradicional, está cada vez mais inviável por conta da mudança radical na apuração de notícias. Gastar sola de sapato ainda é uma opção válida para verificar a confiabilidade e exatidão de um fato ou dado. Mas a prática foi atropelada pela avalancha de dados, fatos e eventos a serem investigados, tornando compulsória a terceirização da checagem jornalística.
Por isso, hoje qualquer reportagem inevitavelmente passa pelo acesso à alguma rede social ou por um sistema de buscas baseado em algoritmos, como é o caso do Google. O profissional não tem o controle da qualidade informativa existente nos dois ambientes. Isto significa que ele pode estar sendo induzido involuntariamente a erro sem ter a menor ideia das possíveis consequências.
O jornalista contemporâneo tornou-se ainda mais suscetível a equívocos do que os profissionais da era da máquina de escrever e da sola de sapato. A incerteza resulta do fato de que ele depende de outros serviços e de outras pessoas para produzir um relato que é considerado a expressão da verdade absoluta por um público que ainda não se deu conta da reviravolta no segmento da imprensa.
Durante décadas, as empresas jornalísticas passaram aos seus respectivos públicos a ideia de que uma notícia impressa ou transmitida pelo rádio ou TV era confiável, exata, relevante e inédita. Agora tudo isso é diferente, mas a imprensa resiste em mostrar para sua audiência o que mudou e quais as consequências. Prefere fazer de conta que está tudo bem e que os problemas são passageiros, mesmo sabendo que a irritação do público com erros, omissões e desvirtuamento de notícias vem crescendo continuamente.
O fato de o jornalismo contemporâneo estar irremediavelmente dependente das multidões e dos algoritmos para produzir notícias impede que ele continue pensando que é o dono da verdade e única fonte confiável de informações. Não se trata de fazer um voto de humildade, mas de reconhecer uma realidade e assumir as consequências. A realidade é que, mais do que antes, o repórter necessita de outras pessoas para fazer seu trabalho, e a consequência é a de que ele passa a ser responsável perante elas pelo produto final .
Antes, o repórter precisava se relacionar com seu chefe para manter o emprego e com suas fontes de informação para ter o que oferecer ao chefe. Agora, ele precisa, além disso, saber como se comportar em redes sociais, como trabalhar em grupo com outros profissionais e como ouvir pessoas. As relações em rede são essenciais porque nelas o repórter é apenas mais um membro, suscetível de críticas nem sempre amenas em razão de eventuais erros ou desvios de conduta. A rede é o caderninho de endereços do repórter. Ela agiliza o trabalho investigativo, mas para isso o profissional precisa da colaboração dos membros da rede.
Trabalhar em grupo passou a ser fundamental porque dificilmente um profissional conseguirá saber usar e manter-se atualizado sobre todos os softwares necessários para pesquisar um tema, interagir com fontes, produzir textos e publicá-los, sem falar na eventual necessidade de editar e publicar fotos, áudio ou vídeo.
Mas a mais complicada das novas tarefas impostas aos jornalistas da era digital é como ouvir pessoas. Até agora, o repórter assumia a personalidade de um investigador, promotor ou juiz. Sua função era encontrar culpados ou suspeitos, na maioria dos casos. Hoje, ele ainda precisa fazer isso, mas a necessidade de contextualizar dados, fatos e eventos para poder transformá-los em notícias relevantes, confiáveis e pertinentes o obriga a ter que ouvir mais do que falar.
A compreensão do contexto passa a ser essencial para que uma notícia seja publicada e conquiste a atenção do público. A avalancha noticiosa na web tornou imprescindível a diferenciação para que uma reportagem atraia leitores, ouvintes, espectadores e internautas. Sem contexto, as pessoas não conseguem identificar nem a importância e muito menos como uma notícia afetará suas vidas. O repórter só pode obter tudo isso ouvindo pessoas e consultando fontes, o que toma tempo e exige muita humildade – dois itens em falta nas redações atuais.
Fonte: Observatório da Imprensa.