quarta-feira, 1 de maio de 2013

ENTRE CHÁVEZ E FRANCISCO



ENTRE CHÁVEZ E FRANCISCO
A recente morte do presidente Hugo Chávez, da Venezuela, e a ascenção do novo papa Francisco, de origem argentina, merecem atenção dos latinoamericanos. Francisco é o primeiro papa com origem em nosso continente e foi eleito em um momento de crise na Igreja Católica, da qual a renúncia de Bento XVI é só a ponta do iceberg. Já a morte de Hugo Chávez marca o fim de um dos maiores líderes políticos surgido nas últimas décadas. Uma liderança que não ficou restrita apenas ao seu país de origem, mas que influenciou a política de vários países vizinhos.
Chávez em 1992 tentou um golpe de Estado e fracassou na tentativa. No entanto, chamou para si a atenção do povo venezuelano que já estava cansado das políticas neoliberais. Já em 1989 houve uma grande revolta popular em todo o país contra o governo. Chávez vai aos poucos capitalizar para si o apoio da massa descontente com as privatizações. Sua ascenção à presidência da república pelo voto popular no final dos anos 90 será o primeiro capítulo da ascenção de uma série de líderes de centro-esquerda na América Latina na década seguinte: Lula, no Brasil; os Kirshner, na Argentina; Evo Morales, na Bolívia; Rafael Correia, no Equador; José Mujica, no Uruguai; Fernando Lugo, no Paraguai. Até os sandinistas , com apoio de Chávez, voltaram ao poder, em eleições democráticas, na Nicarágua.
O que acontece a partir de Chávez é uma resposta das massas populares da América Latina às políticas econômicas regressivas do neoliberalismo que foram predominantes em nosso continente nos anos 90: privatizações, abertura aos mercado de forma irresponsável, desemprego em massa e o consequente aumento da miséria e da criminalidade.
Não por acaso Chávez foi chamado de ditador pelos órgãos da imprensa latinoamericana, pois toda essa imprensa sempre esteve comprometida com o projeto de globalização neoliberal. Apostaram, e ainda apostam, no paraiso do “mercado”, sem se importar com suas consequências sociais. Chávez modificou de forma legal a constituição da Venezuela para ter direito à reeleição, mas concorrer e ganhar eleições não é indicativo de ditadura e em um plebiscito popular convocado para mudar a constituição ele foi derrotado e aceitou democraticamente a derrota. Isso não é postura de ditador. Na verdade vale para a elite latinoamericana uma velha senha: “só é regime democrático se meu candidato ganhar a eleição”.
Chávez foi chamado de ditador porque na verdade ele ousou reverter as políticas neoliberais de privatização, porque investiu em educação, porque fez renascer um espírito de orgulho nacional que há muito pensava-se morto, mas principalmente porque ressucitou o discurso da utopia socialista. E este é um pecado mortal para os ricos.
A morte de Chávez não é o fim do chavismo, seus seguidores continuarão sua luta com altos e baixos. Seu nome na Venezuela vai se equiparar ao de Perón na Argentina e a polítca de seu país se dividirá entre os que o odeiam e os que o amam. Nada há de se estranhar nisso, pois é típico daqueles que sabem ousar lutar e ousar vencer.Istivan Meszaros disse certa vez que os revolucionários deveriam agarrar a história pelo pescoço e derrubá-la, podemos afirmar que Chávez teve a ousadia de tentar.
Já o papa Francisco teve sua ascenção devida à decadência moral do reinado de Bento XVI. Com seu autoritarismo conservador, seu dogmatismo agressivo, mas, principalmente, por sua omissão criminosa e irresponsável com os crimes de pedofilia praticados por padres em várias partes do mundo, o papa alemão chamou para si um fosso do qual ele só iria afundar mais e mais. Para muitos católicos Francisco foi eleito justamente para recolocar a Igreja no eixo. Ninguém melhor que um jesuita para fazer isso. Ao menos em alguns aspectos ele difere de Ratzinger: Bento XVI é um dogmático autoritário, Francisco é um diplomata negociador; o papa alemão gostava do luxo e da opulência, Francisco apresenta-se de forma mais humilde. Alguns analistas mais à esquerda acham que Francisco, um argentino que fez oposição à Cristina Kirshner, será uma ponta de lança contra os governos de centro-esquerda em nosso continente. Não é uma análise irreal mas me parece precipitada. Até porque o novo papa tem uma pesada herança maldita de Bento XVI para administrar. Ele herdou os escândalos do IOR (Banco do Vaticano), os escândalos dos casos de pedofilia, as brigas internas dos diversos grupos internos da Igreja, etc. Na América Latina sua preocupação passará certamente pelo crescimento das igrejas evangélicas (sobretudo no Brasil) e em nível mundial sua atenção também passará por um fenômeno novo da modernidade: o crescimento do ateismo militante. É muito abacaxi para um papa só, o tempo mostrará se ele saberá descascá-los.
Aristóteles Lima Santana, 22/04/2013.

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