domingo, 30 de novembro de 2014

THOMAZ WOOD JR. COMENTA SOBRE MENTIRAS E ESTATÍSTICAS

Sobre mentiras e estatísticas
A influência do consumo de margarina na taxa de divórcios do estado do Maine e outras correlações espúrias
por Thomaz Wood Jr. — 
Benjamin Disraeli, o Conde de Beaconsfield, serviu dois termos como primeiro-ministro da Grã-Bretanha, no século XIX. Entre outras pérolas, a ele é atribuída a frase: “Há três tipos de mentiras: mentiras, mentiras terríveis e estatísticas”. Consta que o chistoso dito teria sido popularizado nos Estados Unidos pelo escritor Mark Twain. Alguns o atribuem ao próprio Twain. A popularidade da frase atravessou séculos, a alimentar nossa desconfiança dos números ou, mais precisamente, do seu uso impróprio para respaldar argumentos vazios ou duvidosos.
Tyler Vigen é um agitado estudante de Direito em Harvard. Não se sabe se é fã de Disraeli ou de Twain, mas parece ter se apoiado sobre os ombros dos dois gigantes. Vigen criou um website, Spurious Correlations, com o propósito de se divertir com estatísticas falaciosas e correlações ilegítimas. O próprio criador adverte não se tratar de fomento à descrença na ciência, mas de separar relações causais de coincidências e simples manipulações.
Vigen usa um dos métodos mais disseminados da estatística, o teste de correlação. Na análise de dados americanos, ele descobriu uma correspondência quase perfeita entre os gastos com ciência, espaço e tecnologia e o número de suicídios por enforcamento, estrangulamento e sufocação. A Nasa deve estar preocupada! Outro elo fortíssimo foi descoberto entre o consumo de margarina e a taxa de divórcios no estado do Maine. A substituição por manteiga ajudaria os casais? Ainda no campo da alimentação, foi constatada uma ligação entre o consumo per capita de muçarela e o número de doutorados em engenharia civil. Será responsabilidade das pizzas? Já o número de filmes nos quais Nicolas Cage atua apresenta associação razoável com o número de pessoas que morrem afogadas ao cair na piscina. Culpa do ator ou da qualidade dos filmes?
Qual é o truque? É simples, a ocorrência de uma correlação, mesmo forte, sugere, mas não significa uma relação de causa e efeito entre as variáveis. De fato, pode não existir relação alguma. Esse simples preceito, exposto de forma bem-humorada por Vigen, não parece sensibilizar debatedores e argumentadores balizados unicamente em sua própria opinião e na vontade de convencer incautos suscetíveis a fantasias numéricas. Entretanto, as implicações de estripulias estatísticas podem ser sérias. Correlações espúrias frequentemente mudam percepções sobre questões relevantes, influenciam decisões e podem levar a alterar políticas públicas, afetando diretamente a vida dos cidadãos.
A ciência estatística teve origem no século XVII, com as contribuições notáveis dos franceses Blaise Pascal e Pierre de Fermat. Transformou-se em profissão e em um campo científico marcado pelo rigor dos métodos e das análises. No século XX, a estatística avançou nas linhas de montagem e nas agências de propaganda, ganhou adoradores entre engenheiros e economistas. Tornou-se onipresente na academia, na vida cotidiana e na mídia. Parte considerável do progresso científico está sustentada pela estatística, por técnicas que permitem analisar e testar correlações. Sintomaticamente, muitos artigos científicos das ciências humanas, exatas e biomédicas parecem textos matemáticos, inundados por hipóteses, fórmulas e tabelas.
Juntamente com virtudes vieram alguns vícios. Estudantes de doutorado logo aprendem a “torturar os números”, para “confessarem” os resultados esperados. Técnicas de “engenharia reversa” são frequentemente utilizadas. Primeiro, se estabelecem os resultados e, depois, os meios para chegar a eles. Manipulações grosseiras são denunciadas, mas outras, mais sutis, podem passar despercebidas.
Alguns resultados transcendem a academia e são filtrados, reembalados e, vez por outra, distorcidos pelas mídias de massa. Uma causa provável, aplicada a uma amostra restrita, pode, pela força de uma manchete, tornar-se verdade absoluta e influenciar opiniões e comportamentos. O uso espúrio da estatística provavelmente faria Disraeli e Twain contraírem cinicamente a sobrancelha esquerda, ou a direita, ou ambas. Mas essa correlação é de difícil comprovação.
FONTE: site de Carta Capital.


terça-feira, 18 de novembro de 2014

SOBRE AS ELEIÇÕES 2014

ELEIÇÕES 2014
Como será conhecido no futuro o resultado das eleições de 2014? A “eleição do ódio” é um forte título, mas a “mais disputada” pode ser um que muitos prefiram. Ambas as alternativas contemplam a perspectiva de observação de muitas pessoas. Não sei como será daqui em diante, mas já aconteceram duas passeatas pós-eleitorais. Algo nunca acontecido antes. A direita saiu em São Paulo pedindo golpe militar ou impeachment sobre Dilma e, alguns dias depois, uma parcela da esquerda deu uma resposta com outra passeata com slogans socialistas. Nas redes sociais os debates (e combates) sobre as eleições continuam e, da direita à esquerda, destila-se um ideologismo barato sem muita consistência, mas propagador de uma boa dose de confusões.
Por falar em redes sociais, podemos concluir que o resultado apertado favorável a Dilma só foi conseguido graças a elas. Milhões de eleitores viraram militantes on-line. Claro que isso aconteceu com todas as forças políticas envolvidas na disputa, mas os que apoiavam o PT esforçaram-se mais. Sem ter espaço na grande mídia, usaram a pequena mídia com muito mais intensidade. O apoio de uma direita ressentida, agressiva, racista e golpista dado abertamente nas redes sociais ao candidato do PSDB assustou cidadãos e militantes no Brasil inteiro. O próprio Aécio Neves em entrevista recente (pós-eleitoral) declarou: “não ser de direita”, tentando desvencilhar-se de Bolsonaro e seus seguidores fanáticos.
Sobre Aécio Neves pode-se afirmar que ele é um dos grandes vencedores do pleito, mesmo com sua dupla derrota em Minas Gerais. Excetuando-se FHC, ele foi o candidato do PSDB que foi mais longe em uma disputa com o PT pela presidência. E olha que sua candidatura tinha tudo para naufragar. O escândalo que envolveu seu amigo, o senador Perrela, com um helicóptero cheio de cocaína, seria suficiente para abalar suas pretensões. Ele ainda teve de enfrentar a possibilidade de não ir para o segundo turno com o fenômeno Marina, surgido logo após a morte de Eduardo Campos.
No Congresso o resultado foi paradoxal. Em termos numéricos o governo tem maioria: 304 dos 513 deputados federais eleitos são da base aliada e 53 dos 81 senadores também. Mas em termos programáticos o Congresso piorou. Aumentaram as bancadas conservadoras (ruralistas, evangélicos, bancada "da bala”, etc), ou seja, grupos avessos aos movimentos sociais e a todas as bandeiras progressistas. Tais grupos possuem aversão ao PT e foram seus seguidores que organizaram a marcha pedindo um novo golpe militar. É bom não esquecer que por “base aliada” entenda-se uma miríade de grupos que incluem conservadores e oportunistas de plantão, que só estão lá porque possuem cargos e influência no governo. O relacionamento com o Congresso talvez seja tumultuado, mesmo o governo tendo maioria. Mas o governo tem fôlego, é bom lembrar que uma parcela da oposição também pode ser comprada com cargos...
Não é difícil explicar o porquê desta eleição ter sido tão acirrada. Um clima de “mudancismo” provocado pelas rebeliões do ano passado aliado ao denuncismo midiático espetacularizado; um desgaste natural de um partido que acumula doze anos no poder e um novo conceito de militância nas redes sociais (por parte da oposição também) foram suficientes para ameaçar o PT. Todo esse acirramento levou a que muitos refletissem sobre um Brasil que teria saído dividido após as eleições. Mas o Brasil sempre foi dividido. Essa divisão desperta e mostra-se em alguns momentos históricos, mas ela é permanente. E não poderia ser diferente em um país cheio de contradições e com uma concentração alta de renda e poder.
Aristóteles Lima Santana, 17/11/2014.